Acesso à cultura: um caminho para romper desigualdades estruturais
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Artigo escrito por Raquel Souto, educadora do Centro Cultural Casa Cajuína, projeto da Fundação Gol de Letra.
O acesso à leitura e cultura no Brasil não está garantido para todos os cidadãos, embora seja um direito constitucional. Essa conclusão é resultado de obstáculos econômicos, sociais e educacionais, herança de desigualdades históricas sustentadas de geração em geração.
Só para ilustrar, de acordo com o Painel do Varejo de Livros do Brasil, o preço médio do livro subiu 15,69% no início de 2024, alcançando o valor de R$54,49. Limitados pelo poder de compra, milhares de brasileiros passaram a se distanciar da leitura.
Inclusive, a pesquisa “Panorama do Consumo de Livros”, da CBL e Nielson, indica que esse é um dos principais motivos pelos quais os brasileiros não se interessam pela leitura. No entanto, esse desinteresse também reflete barreiras de acesso e desigualdades mais profundas.
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Leitura como direito: barreiras educacionais e culturais no Brasil
Em um país onde 9,3 milhões de pessoas são analfabetas, e apenas 56% das crianças da rede pública são alfabetizadas até o segundo ano, a prática da leitura está condicionada a oportunidades educacionais e econômicas, restringindo o acesso a este direito fundamental desde a infância.
Ademais, com a diminuição do número de bibliotecas públicas, que passou de 6.057 para 5.293 em cinco anos, a ampliação do repertório cultural é negada para muitas famílias, especialmente nas periferias e áreas de vulnerabilidade.
Como resultado, essas limitações estruturais resultam em consequências diretas para gerações futuras, uma vez que pais e mães que não têm o hábito da leitura encontram dificuldade para transmiti-lo a seus filhos.
Sendo assim, a falta de incentivo, aliada às restrições econômicas, impacta o desenvolvimento de habilidades essenciais para o pleno desenvolvimento de sujeitos, como o pensamento crítico e a criatividade.
Cultura e Comunidade: construindo pontes para a equidade
Sem dúvida, o impacto desse afastamento cultural é evidente nas comunidades em que a Fundação Gol de Letra atua. No Complexo do Caju (RJ), por exemplo, grande parte das famílias vivem com renda mensal de até R$470,00, sem acesso a equipamentos culturais e de lazer.
Pensando em contribuir para facilitar o acesso da comunidade à leitura, a Fundação criou a Biblioteca Comunitária do Caju, em 2009. A ideia era que os moradores do complexo de doze favelas tivessem um espaço de convivência que estimulasse o acesso à literatura e atividades educativas voltadas para o desenvolvimento de subjetividades e pensamento crítico.
Ao longo dos últimos quinze anos, a Biblioteca ampliou o escopo das atividades oferecidas para crianças e adultos, oferecendo brinquedoteca, computadores, oficinas artísticas, entre outros eventos mobilizados pela própria comunidade. Só em 2023, foram 699 empréstimos de livros e 5243 atendimentos, incluindo a utilização dos recursos e infraestrutura para ações itinerantes no território.
De modo que, em 2024, a iniciativa recebeu um novo nome para se adequar à nova proposta: Centro Cultural Casa Cajuína. Atualmente, o objetivo do projeto é promover atividades educativas e culturais que proporcionam experiências de pertencimento e valorização cultural.
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Nesse sentido, o Centro Cultural Casa Cajuína não apenas promove o acesso à cultura, mas também permite quebrar o ciclo de exclusão ao democratizar espaços de construção coletiva, ampliando horizontes, estimulando a inovação e contribuindo para uma sociedade mais justa, crítica e criativa.