08 DE MARÇO – DIA INTERNACIONAL DA MULHER: COMEMORAÇÃO E REFLEXÃO

Por Crislaine Lima, Karina Avelar e Cristiane Narciso, colaboradoras da Fundação Gol de Letra

♦ Somos mulheres, somos mães, trabalhadoras, somos muitas!  

♦ Estamos nas ruas, nas favelas, nas vielas e encarceradas. Vivemos em situação de rua, desemprego, de refúgio.

♦ Somos negras, indígenas. Somos lésbicas, bissexuais e trans.

♦ Somos jovens e anciãs, mães e filhas, irmãs e amigas.

♦ Estamos na luta, dia após dia, pela conquista de direitos, contra os retrocessos em todos os níveis de governo. Somos as trabalhadoras, contra o machismo e o patriarcado. #NenhumaAMenos #ÉPelaVidadasMulheres

Neste 8 de Março, chamamos as mulheres à reflexão sobre nossa história. É impreterível recorrer à trajetória histórica que norteia o marco do mês das mulheres. Instituído em 1910, na Dinamarca, em meio a II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, embora só tenha sido oficializado pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 1975, foi estabelecido o Dia Internacional das Mulheres.

Não por acaso, a data de 8 de março, marca a primeira greve de mulheres, nos Estados Unidos, em uma fábrica de tecidos na cidade de Nova York. Tecelãs que reivindicavam por melhores condições de trabalho, eram violadas sexual e fisicamente, tinham carga horária de trabalho de 16h e ganhavam um terço do salário dos homens, que exerciam as mesmas funções que elas.

Importante ainda destacar o papel das líderes feministas que desde o século XIX vinham buscando direito à educação e ao voto para as mulheres. Neste período as mulheres não tinham direitos civis como os homens. No Brasil, por exemplo, as mulheres só passam a votar em 1932.

Como marco histórico de luta e resistência, temos no Brasil, em 1919, a fundação da Federação Brasileira do Progresso Feminino, que lutava pelo voto, pela escolha do domicílio e pelo trabalho de mulheres sem autorização do marido. Em 1922, a construção do Partido Comunista do Brasil marca a trajetória de muitas mulheres na reivindicação pelos direitos trabalhistas, civis e políticos, entretanto, com fortes reflexos do patriarcado nas ações coletivas do partido.

Na perspectiva de análise das lutas feministas, é necessário ressaltar que durante este período, no Brasil, as lutas e possibilidades de reivindicações para as mulheres estavam fortalecidas prioritariamente entre as mulheres liberais. O padrão sócio-histórico de segregação racial no país condiciona as mulheres negras ao afastamento nas pautas e reivindicações por direitos, que apenas respondiam às demandas das mulheres brancas de classe média no Brasil.

O acesso ao espaço público não retira da mulher a responsabilidade da maternidade e do lar. Para que isso se efetive, é transferido a outras mulheres, neste caso, mulheres pobres e negras ao qual aos encargos são proferidos. Suely Costa (2004, p.28) dirá que consiste num movimento de transferência das responsabilidades e consequentemente de afetos significando “o caos familiar” no Brasil. A saída da mulher do espaço privado só é possível com outras mulheres assumindo suas funções instituídas culturalmente, por isso, essa primeira tendência dos movimentos feministas vai se organizar entorno de mulheres liberais.

As relações informais na vida doméstica naturalizam práticas em que as desigualdades necessárias aos padrões reprodutivos dominantes são reinventadas. ‘Mulheres de Confiança’ trocam serviços, nem sempre moedas. Nessa experiência, amplia-se o alcance dos direitos sociais para algumas mulheres e limita-se o de muitas outras [NEGRAS]. COSTA, 2004, p.29.

A segunda tendência de manifestação das mulheres ocorre no contexto de Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Pensar o feminismo nessa trajetória possibilitou fortes transformações para a cultura e costumes das mulheres no Brasil. O país passava por um momento de modernização, que garantiu a industrialização e crescimento dos setores trabalhistas. Assim, novos campos de trabalho para as mulheres são postos e configurados de forma precarizada e subalternizada. O mundo privado (socialmente destinado às mulheres) encontra vias de questionamento, os padrões tradicionais de conformação da família e do papel da mulher já não mais dão conta das transformações que vinham ocorrendo.

Outro fator relevante, no parâmetro da vida privada, é a contracultura vivida na década de 1960 que abre o leque de alternativas para os padrões comportamentais, afetivos e sexuais. Sarti (2004, p. 39) elucida que essas “novas experiências cotidianas entraram em conflito com o padrão tradicional de valores nas relações familiares, sobretudo por seu caráter autoritário”.

Feminismos militantes surgiram nas ruas sob, principalmente, forte influência da resistência à ditadura, como já mencionado, acreditando na queda do sistema através da luta armada. As mulheres se armam para lutar, dando visibilidade às questões referentes às interferências da vida cotidiana a que eram submetidas, o que contestava as relações de poder impostas, insurgindo o questionamento ao que era próprio das mulheres (SARTI, 2004, p.37). Neste cenário caótico de privação da liberdade, perda de autonomia e forte repressão, algumas mulheres acabaram no exilio.  

As favelas e espaços populares, marcadas pela pobreza e segregação, se organizam no entorno dos benefícios, fantasiados de direitos, que passam a serem garantidos pelo Estado, mediante processos de muita luta e indignação dos movimentos sociais. As organizações das mulheres de segmentos pobres e médios tomam os benefícios concedidos pelo Estado protetor como forma de manterem a reprodução de suas vidas, no seio das mazelas sociais. Organizavam-se em torno de

[…] reivindicações de infraestrutura urbana básica (água, luz, esgoto, asfalto e bens de consumo coletivos), esses movimentos têm como parâmetro o mundo cotidiano da reprodução – a família, a localidade e suas condições de vida – que caracteriza a forma tradicional de identificação social da mulher. SARTI, 2004 p. 204

Até então os grupos feministas com herança das camadas médias e intelectuais se organizavam em torno de uma identidade que nem sempre alcançou as mulheres de camadas mais abastadas. Entretanto, alguns movimentos feministas ao demarcarem espaço em diversos lugares do mundo começam a questionar a realidade e incomodar-se com a pobreza de muitos, “parte dos feminismos entra em sintonia com as questões cruciais desse nosso tempo” (COSTA, 2004, p.24).

A aproximação com questões de classes, raça, etnias ganham espaço no compromisso da luta das mulheres para além dos sexos, contra as desigualdades. No Brasil, faz-se necessário pensar a desigualdade entre as mulheres marcadas pelas estruturas de classes sociais, que caracterizam “(…) identidades múltiplas e formas plurais de compartilhamento de lutas” (COSTA, 2004, p.24).  

Realidades das mais diversas convergiam na perspectiva de transformação da sociedade como um todo. Há uma maior articulação com as demandas dos bairros precários e com extremas violações de direitos, tomando essas atribuições como pautas gerais das mulheres no Brasil. Vale ressaltar que esta é uma perspectiva de análise, a forma de discussão, linhas de pensamento e transformação social enviesam-se nas mais diversas tendências, que não necessariamente organizar-se-ão no entorno da pobreza do cotidiano das mulheres, para assim debater sua emancipação.  

Ao olharmos para trás é possível reconhecer grandes avanços na situação dos direitos das mulheres. Contudo, a supressão dessas barreiras sociais vem a partir da luta e não como um processo evolutivo da sociedade. Assim, em muitos aspectos, nossa sociedade ainda impõe um forte sistema de opressão à mulher, não a colocando em um lugar de igualdade com os homens, que na gênese das sociedades ocidentais sempre tiveram um lugar de poder e destaque.  

Nessa direção é necessário reconhecer a situação atual das mulheres, mulheres que têm cor, raça, classe e território, prioritariamente na realidade brasileira. Para tanto:

Chega de Violência!

Somos alvo de violência cotidianamente, violências específicas como o feminicídio, violência sexual, física, patrimonial, psicológica e moral; estupro, exploração sexual. Continuamos tendo nossos corpos violados.

♦  A taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior no mundo; entre as mulheres negras essa taxa aumentou em 50% nos últimos 15 anos.

♦  70% das vítimas de estupro no Brasil são meninas e adolescentes.

♦  56,8% das vítimas de estupro registrados são negras.

♦  A cada 2 minutos 5 mulheres são vítimas de violência física.

♦  O Brasil é o 4º país com maior índice em casamento de crianças e adolescentes: são mais de 554 mil meninas de 10 a 17 anos.

♦  A violência obstétrica mata as mulheres, cerca de 60% das vítimas são negras.

Pelo direito à vida pública!

♦  Apenas 10% dos representantes legislativos são mulheres.

♦  62% dos cargos de gerência nas empresas são ocupados por homens.

♦  A renda da mulher equivale a 76% da renda do homem.

♦  Apesar de ser a maioria da população brasileira, as taxas de desocupação entre as mulheres são de 65% enquanto a do homem de 35%.

Desde que foi instituído, o Dia Internacional da Mulher é datado por discussões sobre o papel da mulher na sociedade, buscando soluções e estratégias de combate à discriminação e à desvalorização do trabalho das mulheres. No Brasil, o dia 8 de março precisa ser de resistência, de luta e reivindicações, colocando nossa história na memória, reconhecendo os avanços e retrocessos, e guiando nossas reivindicações para cada dimensão de nossas vidas, garantindo às nossas companheiras trabalhadoras solidariedade e companheirismo em tempos de que resistir é preciso!

Referencial Teórico

COSTA, Suely Gomes. Movimentos Feministas, Feminismos. Estudos Feministas, Florianópolis, 12(N.E.): 264, setembro-dezembro/2004.

SARTI, C. O feminismo brasileiro desde 1970: revisitando uma trajetória. Estudos Feministas, Florianópolis, 12(2):264, maio-agosto/2004. Acessível em:  http://www.scielo.br/pdf/ref/v12n2/23959.pdf..

http://sinjus.org.br/site/wp-content/uploads/dlm_uploads/MULHERES-INFOGR%C3%81FICO.pdf

https://exame.abril.com.br/brasil/a-desigualdade-de-genero-no-brasil-em-um-grafico/

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