Fortalecendo mães-solo: o compromisso da Gol de Letra

O trabalho com famílias monoparentais-maternas, aquelas compostas pela mãe e filhos, não é uma tarefa nova na Fundação Gol de Letra. Cotidianamente, toda a equipe, desde os programas de infância e adolescência, até o de juventude e comunidade, precisa pensar estratégias para identificar e atuar sobre as demandas sociais dessas famílias no sentido de viabilizar seu acesso a direitos e à proteção social.

No Brasil, atualmente, são 11 milhões de famílias que têm mulheres-mães como as únicas responsáveis pelo cuidado e pela subsistência dos filhos. A maioria desses grupos familiares é negra e vive abaixo da linha da pobreza. E, realmente, a responsabilização unilateral de mulheres à maternagem impõe inúmeros obstáculos às famílias monoparentais-maternas em garantir os mínimos para sua subsistência, limitando as alternativas concretas para alcançar melhores condições de vida e novas perspectivas de futuro para si e seus filhos – como a qualificação profissional, a universidade, determinadas vagas de emprego, dentre muitos outros espaços que tornam distantes a possibilidade de permanência de mães-solo.

Esta realidade, aliada à ausência de políticas públicas efetivas no suporte ao cuidado – como vagas de creches e escolas em horário integral, por exemplo –, geram nas mães-solo consequências não só econômicas e sociais no cotidiano das famílias, mas também consequências de ordem subjetiva, sendo o acúmulo das inúmeras pressões e opressões vivenciadas por mães na sociedade um gerador de sofrimento psíquico em potencial. Nessa direção, o Serviço Social da Gol de Letra, em vias de responder com qualidade as demandas de mães-solo e seus filhos, precisa intervir de forma criativa, crítica e competente para viabilizar acesso a direitos.

A turma de 2023 do Pré-ENEM Gol de Letra, majoritariamente feminina, possui cinco mães-solo e suas crianças participando das aulas do preparatório todos os dias, das 18h00 até às 21h30. Foi necessário, portanto, que o Serviço Social mobilizasse a criação de estratégias institucionais que qualificassem a continuidade dessas mães e de seus filhos no preparatório, levando em conta sua saúde mental, suas condições concretas de sobrevivência, e a compreensão crítica da sua realidade social.

A atuação na realidade dessas mães implicou uma articulação imediata entre o Programa Juventude e Oportunidade e o Programa Jogo Aberto Caju. O Serviço Social de ambos os programas, identificando a demanda em seus atendimentos e considerando o trabalho já realizado junto a mães-solo em outros anos, articulou junto à gestão, respostas qualificadas e associadas à realidade particular das famílias.

Além da inserção das crianças e adolescentes nos programas da infância em horário concomitante às aulas, o Serviço Social preparou kits de aprendizagem para os pequenos utilizarem enquanto estiverem na instituição, com materiais didáticos, recreativos, e literários, como, por exemplo, o livro Gol de Letrinhas 15, que conta com poesias e desenhos feitos por e para as crianças.

A equipe também realizou atendimentos sociais para reconhecimento e estabelecimento de redes de cuidado em potencial e, para identificação dos impactos emocionais e subjetivos das mães-solo em relação tanto à presença dos filhos em sala, como em relação aos desafios cotidianos os quais famílias monoparentais-maternas atravessam.

Ainda, as assistentes sociais realizaram intervenções nas turmas para estabelecimento de redes de solidariedade entre o coletivo, incluindo atividades formativas sobre mulheridade, trabalho reprodutivo não-remunerado e realidade de mães-solo no Brasil, bem como a retomada de trabalho de grupo com mulheres e mulheres-mães – este ano, com apoio da Biblioteca Feminista da Praia Vermelha, projeto de extensão da Escola de Serviço Social da UFRJ.

Intentamos de forma coletiva e, em rede, atuar sobre a permanência qualitativa das mães-solo na turma do Pré-ENEM, oportunizando possibilidades maiores de sucesso no acesso à universidade. Sabemos que a realidade é temerosa para mães-solo no Brasil, e a universidade, como muitos outros espaços da sociedade, não é acolhedora para a maternidade e cria obstáculos para sua permanência. Entretanto, por meio do trabalho coletivo, temos convicção que existem condições concretas de contribuir com os percursos singulares dessas famílias.  

Assim, entendemos que o desejo dessas mães em alcançar melhores condições de vida, que, no caso do Pré-ENEM, é mediado pelo acesso ao ensino superior, deve ter apoio efetivo da instituição, viabilizando tanto a possibilidade de uma vaga na universidade, como também que este acesso seja politizado e consciente dos desafios que as aguardam. Afinal, parafraseando Edenice Fraga, ” lugar de mãe-solo é onde ela que estar”.

Autores: Silvia Maria e Matheus de Paula (assistentes sociais)

Revisão: Crislaine Lima e Karina Avelar

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